por Jefferson Ribeiro e Luna Santos
Com clareza, Arthur Miller contextualiza temporal e espacialmente os acontecimentos de sua obra: parte do ano de 1692 no Estado de Massachusetts, no Nordeste dos Estados Unidos da América. Se tais informações sugerem um tipo de indumentária bastante específica, a qual pouco atribui um caráter individual em quem as veste e não vai muito além de determinar a função social e gênero de cada indivíduo – as imagens da época revelam quase uma padronização entre as mulheres, com suas toucas e vestidos campestres, e os homens divergem entre suas funções de governo, clero ou donos de terras -, os figurinos para esta encenação, por sua vez, nascem tendo como base outras questões.
Não que o tempo e espaço que vigoram em "As Bruxas de Salém" tenham sido por completo negligenciados. Características das vestimentas de seu contexto foram referenciadas - mesmo sugerindo uma nova leitura - no trabalho em questão: grandes golas, forte elemento das roupas da época, são sugeridas em algumas peças, tal como as calças masculinas, que tem sua forma adaptada ou mesmo preservada – até pelo tom contemporâneo que possuem.
Entretanto, para adequar-se à proposta de encenação, buscou-se, de modo geral, certa atemporalidade no figurino, dialogando apenas com o universo imposto pela cena. Um elemento que reforça essa característica é a presença da corda - imagem recorrente ao longo da peça -, reservada para a indumentária dos personagens que impõem a forca. Aqui, o objeto, além de dialogar com o cenário, é trabalhado de diversas maneiras - muitas vezes é revestido de tecido, por exemplo – e atribui imposição e autoridade aos personagens. A procura por tecidos que agregam o mesmo sentimento deste material – a corda - pareceu necessária não somente para alcançar uma harmonia visual entre o trabalho, mas, sobretudo, a fim de preservar o espírito da obra de Miller. Desta forma, procuramos interferir fortemente sobre tecidos de algodão, seja através de manchas, desbotes, rugas e leves rasgos, com o intuito de alcançar texturas rústicas e desgastadas, seja em utilizá-los de novas maneiras, como, por exemplo, cortá-los em tiras para a elaboração de redes, xales e sobretudos. O tingimento – predominante por cores fechadas, mas com alguns tons quentes de destaque -, realizado manualmente em todas as peças, vai ao encontro direto dessa proposta.
Para uma sociedade enclausurada entre devaneios e manipulações, sob a rigidez de uma teocracia impositiva e intolerante, há apenas o peso e opressão a ser materializado pela indumentária que cobre aqueles personagens. E cobrir, neste caso, alça sentido maior que apenas de vestir: o passado há de ser ocultado e o verdadeiro caráter, camuflado – a reputação, por sua vez, já não necessariamente condiz com a verdade do indivíduo. Optou-se, portanto, pelo uso constante de capuz e capas – esta última peça, um elemento constante no tempo dramático da obra -, tecidos vazados e semitransparentes, sobrepostos em camadas e enrugados, para transpor, enfim, o clima incisivo e misterioso de Salém. Neste mesmo sentido, o processo pelo qual alguns personagens atravessam ao longo da história - desnudando seu caráter ou se exilando em sua real natureza - é evidenciado pelo figurino através de peças as quais vão sendo agregadas ou retiradas em momentos específicos da encenação. Reservou-se este processo para os dois protagonistas da obra, John Proctor e Abigail Williams: enquanto o primeiro, como num processo de remissão de si mesmo, se desfaz do encobrimento inicial imposto por sua roupa até chegar à branquidão de seu último estágio, a segunda personagem se destaca cada vez mais das outras meninas – como o próprio texto indica - adicionando novas peças, alcançando finalmente uma fuga completa ao vestir uma capa para se retirar de Salém. Assim, portanto, as duas forças antagônicas do texto se contrastam e inversamente dialogam no decorrer de toda a encenação.