O Autor e a Obra

          Arthur Asher Miller (Nova York, 17 de Outubro de 1915 / Roxbury, Connecticut, 10 de Fevereiro de 2005) era filho de um casal de imigrantes judeus polacos: Isadore, um empresário têxtil, e Augusta, dona-de-casa. O casal teve ainda dois filhos, Kermit e Joan. A famí­lia vivia numa "penthouse", em Manhattan, com vista sobre o Central Park até que Isadore ficou arruinado com a Grande Depressão. 
          Em 1936, a sua primeira peça (que não foi "Todos os meus filhos", como é dito em diversas fontes), "Honors at Dawn", com a qual ganhou o Prêmio Hopwood, foi encenada na Universidade de Michigan. Dois anos mais tarde, graduou-se nesta mesma universidade em jornalismo. Em 1940, Miller casou-se com a sua namorada, desde o colégio, Mary Slattery. Tiveram dois filhos, Jane e Robert. Esteve isento do serviço militar durante a Segunda Guerra Mundial devido a uma lesão que contraí­ra num jogo de futebol americano.
          A sua peça, "A Morte de um Caixeiro Viajante", de 1949, venceu o Prêmio Pulitzer e três Prêmios Tony, bem como o prêmio do Cí­rculo de Crí­ticos de Teatro de Nova York. Foi a primeira peça a conseguir os três simultaneamente. A sua peça seguinte, "The Crucible" ("As Bruxas de Salém"), estreou na Broadway no dia 22 de Janeiro de 1953. Em 1956 divorciou-se. Em Junho do mesmo ano, comparece perante à  House Un-American Activities Committee ("Comitê parlamentar das atividades antiamericanas"), depois de ter sido denunciado por Elia Kazan como tendo participado em reuniões do Partido Comunista. No final desse mesmo mês (29 de Junho), casa-se com Marilyn Monroe, que tinha conhecido oito anos antes, apresentado, exatamente, por Kazan. Em 31 de Maio de 1957, Miller é considerado culpado de desobediência ao Congresso por recusar-se a revelar os nomes dos membros de um cí­rculo literário suspeito de pertencer ao Partido Comunista. A sua condenação foi anulada pelo Tribunal Federal de Apelação (U.S. Court of Appeals) em 8 de Agosto de 1958. No mesmo ano publica as suas peças na coletânea Collected Plays. Divorcia-se de Marilyn em 24 de Janeiro de 1961. Casa-se, um ano mais tarde, com Inge Morath, em 17 de Fevereiro de 1962. Conheceram-se enquanto os fotógrafos da agência Magnum documentavam a realização do filme The Misfits ("Os Desajustados"). Tiveram duas crianças, Rebecca e Daniel. De acordo com o biógrafo Martin Gottfried, Daniel nasceu em 1962 com Sí­ndrome de Down. Miller pôs o filho à  guarda de uma instituição em Roxbury, Connecticut, e nunca o visitou (ainda que a sua mulher o fizesse). Miller não fala de Daniel na sua autobiografia Timebends, de 1987.
          Em 1985, Miller visitou a Turquia e foi homenageado na Embaixada Americana. Depois de o seu companheiro de viagem Harold Pinter ter sido expulso do paí­s por discutir a tortura, Miller deixou o paí­s em solidariedade para com o colega. Inge Morath morreu em 30 de Janeiro de 2002. Em 1º de Maio do mesmo ano, Miller venceu o prêmio espanhol Prí­ncipe Astúrias de Letras por ser, segundo os atribuidores do prêmio "o mestre indiscutí­vel do drama moderno". Entre os premiados anteriores encontravam-se, por exemplo, Doris Lessing, Günter Grass e Carlos Fuentes. Em Dezembro de 2004, com 89 anos, anunciou que pretendia casar com uma artista de trinta e quatro anos chamada Agnes Barley com quem vivia desde 2002 em Roxbury. Em 10 de Fevereiro de 2005, Arthur Miller faleceu em casa, ví­tima de insuficiência cardí­aca crônica (é também referido, em algumas fontes, que sofria de cancro, tendo o seu estado de saúde piorado devido a uma pneumonia).

Sua Obra

Peças de Teatro
* Honors at Dawn (1936)
* The Man Who Had All the Luck (1944)
* All My Sons - (Todos os meus filhos) (1947)
* Death of a Salesman ~ (Morte de um Caixeiro Viajante) (1949)
* The Crucible ~ (As Bruxas de Salém) (1950)
* A Memory of Two Mondays (1955)
* A View from the Bridge ~ (Panorama visto da Ponte) (1955)
* After the Fall (1964)
* Incident at Vichy (1965)
* The Price (1968)
* The Creation of the World and Other Business (1972)
* The Archbishop's Ceiling (1977)
* The American Clock (1981)
* Elegy For a Lady (1982)
* Some Kind of Love Story (1982)
* Danger: Memory!: Two Plays (I Can't Remember Anything / Clara) (1986)
* The Ride Down Mt. Morgan (1991)
* The Last Yankee (1993)
* Broken Glass (1994)
* Mr. Peters' Connections (1998)
* Resurrection Blues (2004)
* Finishing the Picture (2004)

Cinema

* The Misfits (IMDB) (1961)
* An Enemy of the People (IMDB ~ adaptação da peça de Henrik Ibsen) (1966)
* Playing for Time (IMDB ~ for TV) (1980)
* O Protótipo (1983) (TV)
* Everybody Wins (IMDB) (1989)

Outras obras

* (1945) Focus
* Situation Hopeless (but Not Serious)
* The Ryan Interview
* The Golden Years
* Fame
* The Reason Why
* Homely Girl, a Life: And Other Stories
* The Theater Essays of Arthur Miller
* Timebends: A Life

Aspectos históricos, polí­ticos, culturais, religiosos e econômicos da época em que viveu Arthur Miller

          Uma conjunção de fatores parece-nos ter conduzido Arthur Miller a escrever "As Bruxas de Salém". Ele escreveu a peça no iní­cio de 1950. Ainda enquanto universitário, Miller havia realizado um estudo sobre os julgamentos das Bruxas em Massachusetts. Em todo esse processo, parece ter-lhe chamado a atenção o fato das supostas bruxas serem obrigadas a confessar e a acusar outras pessoas de bruxaria para não serem enforcadas - “ e esse detalhe é claramente discutido no texto, em uma fala de John Proctor. Durante este mesmo perí­odo, a polí­tica americana pós-segunda guerra mundial gerou o que ficou conhecido como "A Guerra Fria" entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Os discursos de um determinado senador americano, chamado Joseph McCarthy, que aliás renderam-lhe uma breve ascensão, foram como uma fagulha que incendiou nos Estados Unidos uma verdadeira febre anti-comunista. Liderados por McCarthy, comitês especiais do senado promoveram investigações altamente controversas que buscavam identificar os comunistas e propunham que, em contrapartida às suas confissões e delações, teriam a punição reduzida. Esta metodologia, adotada por esse movimento que ficou conhecido como McCarthismo, absolutamente análoga à utilizada pelo governo de Massachusetts em 1692, foi considerada um estopim para que Miller tenha escrito "As Bruxas de Salém", justamente neste perí­odo. É considerável a sua retomada a um tema pesquisado, algum tempo depois, para escrever esta peça, quando já reconhecido e premiado como dramaturgo. 
          A carreira de dramaturgo de Arthur Miller começou enquanto era estudante na Universidade de Michigan. Muitos de seus primeiros trabalhos ganharam prêmios. Em 1949, Miller escreveu "A Morte de um Caixeiro Viajante", com o qual ganhou o prêmio Pulitzer, tornando-se uma sensação nacional. Muitos crí­ticos descreveram este texto como "A primeira grande tragédia americana", e ele foi considerado o homem que entendeu a profunda essência dos Estados Unidos. Em 1950, quando escreveu "As Bruxas de Salém", esta investigação liderada por McCarthy criou um verdadeiro furacão de acusações. E a indústria do entretenimento - “ na qual trabalhava" foi um dos alvos principais dessas investigações, ironicamente chamadas de "caça às bruxas". Quando as pessoas começaram a perceber que poderiam ser condenadas por comunismo mesmo sendo inocentes, muitas "cooperaram", objetivando salvarem-se através de confissões falsas, gerando grande histeria. Um outro grupo, no entanto, recusava-se a responder a esses questionários. Dentre esses estava Arthur Miller. E este grupo sofreu sérias consequências em suas carreiras por longo tempo depois disso.
          Ficou muito claro, para todos, a direta crí­tica ao McCarthismo realizada por Miller em 1953, na primeira apresentação de "As Bruxas de Salém". Lembra-nos, em correlação, algo próximo do que também aconteceu na América do Sul - obviamente também no Brasil - durante o perí­odo da ditadura militar, utilizando metodologia similar para alcançar objetivos parecidos, em certa medida. De qualquer forma, independente de perí­odos de repressão, conta-nos este texto uma história de emoções e comportamentos humanos, passí­veis de ocorrência em qualquer outra configuração. Consideremos que o enredo principal do texto gira em torno de um relacionamento entre John Proctor e Abigail Williams, e que, não obstante essas personagens terem existido realmente, são na obra de Miller, largamente compostas. Na história real de Salém, em 1692, estudos tendem a concluir que toda a histeria provocada pela caça às bruxas, derivou da ganância dos mais poderosos, e não de um envolvimento pessoal e vingança passional. O verdadeiro John Proctor, à época dos julgamentos, contava mais de sessenta anos de idade, e a verdadeira Abigail apenas onze anos. Na peça, Miller coloca Proctor como um homem ainda jovem, por volta dos trinta anos, e Abigail com dezessete, numa época em que as mulheres casavam-se ainda adolescentes com homens mais velhos, o que tornaria natural, e até desejável, um enlace entre Proctor e Abigail, desde que ele já não fosse casado e ela, dado à sua condição face os costumes religiosos daquela sociedade, impedida de se consorciar. Portanto a decisão de Miller em estruturar o enredo tendo o ciúme sexual como a raiz da histeria constitui um planejamento dramático.

Relações entre a peça escolhida e o conjunto da obra

          Talvez a principal diferença entre as demais obras de Arthur Miller e "As Bruxas de Salém" seja a vinculação histórica deste texto. Apesar do próprio Miller deixar claro - nas didascálias do texto de "As Bruxas de Salém" - que as personagens foram abertamente compostas por ele, é também claro que, independente disto, foram baseadas em fatos e personagens reais, da Salém de 1692. Talvez nenhuma outra obra de Miller tenha bebido em fonte inspiradora tão verí­dica. O fato de Miller compor as personagens, todavia, o possibilitou gerar um conflito baseado em situações pessoais e particulares - como era seu costume.
          Em "Panorama visto da ponte", outra peça de Miller, os conflitos pessoais entre o estivador, sua esposa, a sobrinha e os imigrantes italianos ilegais recebidos pelo estivador, numa trama absolutamente criada por Miller, toca a questão das relações interpessoais como fios que se entrelaçam e constroem a história. Em sua grande obra - talvez a maior, com a qual ganhou o Pulitzer em 1949 - A morte de um caixeiro-viajante - Willy Loman e sua famí­lia, também têm a história criada por Miller, e as relações interpessoais são o mote principal, a ferramenta através da qual Arthur Miller esculpe todos os detalhes das questões que deseja discutir.
 Podemos concluir, portanto, que em "As Bruxas de Salém" Miller utilizou um fato histórico - sobre o qual tinha prévio conhecimento, para espelhar uma postura polí­tica do governo de sua época que lhe pareceu análoga e igualmente opressora à praticada em Massachusetts no século XVII, utilizando, para isso, um artifí­cio de que tinha pleno controle - a focalização das relações interpessoais das personagens.