O Cenário


por Ianara Elisa e Paula Bueno Cruz

             Os temas manipulação, reputação, intolerância e histeria foram a base de pesquisa para o laboratório por serem recorrentes no comportamento político e social do homem, e notavelmente independentes dos contextos. Tivemos assim a necessidade de estabelecer uma estética atemporal para que eles sejam valorizados em detrimento do período pontual onde os acontecimentos se dão. Buscamos cenicamente abrigar essa idéia propondo uma estética desgastada, remendada e envelhecida no tecido utilizado para cercar a cena a fim de simbolizar o conservadorismo das autoridades e seu interesse na manutenção do regime teocrático e das estruturas vigentes.
      Cenograficamente a sobriedade predominará, evidenciada no sintetismo e retilinearidade que caracterizam os elementos da cena sem delimitá-los cronologicamente. Essa escolha tem o intuito de ressaltar os aspectos psicológicos de cada personagem naquela situação específica. Por outro lado, estabeleceu-se a delimitação espacial à cena por meio da utilização de uma lona em forma de cruz, levando à concentração dos personagens e sobressaltando o grau de coação exercido por aquela sociedade aos seus membros diante de uma situação-limite de escolha: não há outra opção senão a confissão.
           Toda sala será fechada por coxias paralelamente espassadas permitindo ao elenco ficar parcialmente à mostra, mesmo fora de cena, recurso que serve para salientar o permanente estado de vigília e excessivo controle exercido por aquela comunidade sobre seus membros e a impossibilidade de insurreição e reivindicação de atos que usem a justificativa de serem inerentes à vida privada - o indivíduo é constantemente vigiado tanto pelo estado quanto pelos seus membros.
           O uso das velas espalhadas pela sala tem o objetivo de provocar o efeito de penumbra e projeções de sombras distorcidas e trêmulas que, geradas pelo bruxulear da chama, revelam parcialmente o objeto iluminado e limitam a visualização do todo para dar margem a suposições acerca daquilo que completa as partes obscuras, permitindo a criação de lacunas para interpretações passíveis de equívocos e manipulações.


          Uma estrutura que remete a uma árvore de metal, localizada numa das extremidades da lona, simbolizará a entidade abstrata que controla a ideal conduta social do indivíduo; representa o regramento que suprime a individualidade, mantenedor da ordem: tanto o estado como a igreja. Esmaga a insurreição individual em prol da ordem centralizadora. Manifesta-se na culpa, no medo, na vergonha, na reputação. A raiz fundida ao piso representa nossas amarras e temores, as imposições, os dogmas, as tradições. Já o tronco remete à limitação espacial e histórica na análise das coisas pertencentes ao mundo sensível, e os galhos simbolizam a infinitude, o divagar, o metafísico, o desconhecido, a liberdade para supor no campo do pensamento.